quinta-feira, 1 de março de 2012

Agarra-me esta noite (Arte digital de Chris Ramos)

Vermelha, ou sofrimento,
a mancha abraça o calhau,
movediça como o vento,
agreste como essa nau,
desliza neste momento.

Aguarda a água do mar
ajudada pela maré,
depois de muito penar
pretende banhar-se da fé
que um dia não soube guardar.

Calhau duro e teimoso;
Jovem? Ou principiante,
que, deveras desgostoso,
desiste ao primeiro instante
em tom cerimonioso?

Tão intensa esta espera
como quem lê um soneto.
No branco da atmosfera
vê as marcas do esqueleto
da pegada que trouxera...

Na marcha da maresia,
num compasso sem maestro,
numa estrofe sem poesia,
numa escrita de ambidextro,
sinto os sons da agonia.

Sinto o peso do calhau
e de todo o desconforto,
sem abrigo ou chão de pau
que acolha este pé morto
de esperar por tua nau.

Mulher dura e egoísta,
sedenta do verbo ter,
que desrespeita o artista
e a vontade de viver
numa harmonia prevista.

De tanta espera me canso,
pois não há eternidade
que acalme o balanço
dessa tal ansiedade.
Assim, neste mar, me lanço.

Levo "A Valsa do Adeus",
outra obra do Kundera,
a fronha dos olhos meus,
a herdeira de quem gera
 e protegida de Deus.

Agarra-me esta noite.
Amanhã já será tarde
pois, depois de tanto açoite,
no meu peito já não arde
 a paixão que me afoite.

É, pois, a marca do tinto
nesse calhau espalhada
por quem era tão faminto
pela tua madrugada
e, agora, nada sinto.

Levantei-me dessa base
quando vi que era ferro
e passei para outra fase
que chamava o meu berro,
na qual não há quem se case.

Onde estão as tuas flores?
Caiem secas, na varanda,
como caem os amores
submersos a quem manda
sem respeito aos odores.

Pode ser que ressuscitem,
as flores que não cuidei.
Elas talvez se agitem
ao dizeres: "aqui del Rei!"
E em "formatura" fiquem.

Fujo de novo convénio
ao qual ganhei crispação.
Não é preciso ser génio
para saber dizer: não!
Afinal, outro milénio!

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