terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Oração à Musa-Flor (Foto de Chris Ramos)



Do piano em que me viste surgem as rosas preenchendo o nosso amor, de um modo completo, indelével, delicado e permanente.

Pelo teu amor, peço, voluntariamente, que os espinhos das rosas marquem o meu corpo, para que nada aconteça ao teu Ser.

Os meus acordes em Lá menor, que sublinham a minha humildade face à Musa-Mor, altiva e distante, ecoam pelo Cais do Pensamento, onde a maresia insiste em castigar a minha profunda solidão.

 Descem, tais acordes do lá menor, de meio-tom em meio-tom, até chegarem ao Fá, enfim, ao Fado de uma vida absolutamente consciente de um corpo localizado onde a alma não devia estar.

Tal como os nossos desencontrados caminhos... Dir-me-ias: se os invertidos são aceites como a nova "classe dominante" (em estilo "metrosexual de maçã reineta") , esta inversão desalinhada do corpo e do espírito não deveria ser considerada... normal? Não é. Seguramente. Para mim e para ti.

Ambos sabemos que haverá, algures nesta dolorosa caminhada, o tão ansiado ponto de encontro, no qual, retemperada das dores físicas e psicológicas, terás a disponibilidade para virar para uma outra página da tua iluminada vida e seguir em frente, de mãos dadas, serenamente e... em paz.

Brindemos, pois, à paz, a nós e ao futuro.

Ergo um copo de vinho tinto e coloco-o sobre o piano, onde, desafinado, esboço mais uns acordes que transformam qualquer poema numa singela oração pelo teu bem-estar...

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Flor musical (foto de Chris Ramos)



Poder vencer o meu Fado
Mostra ser tarefa ingrata
Pois quem vive no pecado
Não merece a Concordata.

Mas para quê a Igreja,
perdida de humildade?
De sermão, velho, boceja:
Burguesa da Nova Idade.

"Das pétalas surgem notas,
uns bálsamos musicais.
Elas não trazem batota
saos momentos especiais.

São notas de nostalgia
que consigo libertar
do pólen da agonia
que acompanha o meu pensar.

Uma pauta de Jobim
mostrará "Insensatez"
de um passado sem fim,o
u de uma "Regra Três"?

Por aqui vês o dilema,
escrito na "Bossanova",
qual "Garota de Ipanema"
que deite esta flor na cova...

Estar sem ti, não será certo.
Sou a planta isoladado
 teu Ser, de Mar Aberto:
fugaz maré dedicada...

Se atravessa a corda bamba
e vai banhar-se no Brasil
não resiste a dançar samba,
regressando ao juvenil.

Pobre Idade! Pareço alma penada
com camadas de alcatrão
escaldado, na estrada,
sem qualquer contemplação.

O cimento que me cerca,
ajudado por ruído,
reforçará minha perca:
O sabor dum sustenido.

Desta vida sei de cor
o suor das minhas gentes
traduzido em lá menor
e estratégias indecentes.

A melodia que exalo
e acompanha o cheiro
compensa tudo o que calo
neste leito de ribeiro.

Mais lamento não poder
ouvir os meus próprios sons.
Estou a ensurdecer
Quando ouço esses tons:

Foz de queixas repetida
se deveras dissecadas.
Fossem as vidas... vividas
e não tão vitimizadas...

Se do dia vejo o breu
- digo isto sem rancor... -
é sinal que o apogeu
abandonou nosso amor...

Outra pauta de Jobim
que vá buscar ao "baú"
é defesa, para mim,
a qualquer Ser, como Tu.

Se quiseres saber mais,
do teor dos nossos vícios,
para quê ler só jornais
se tens os meus "Sete Ofícios"?

Posso ser ave, ou flôr,
nuvem, lua ou o mar.
Mas se queres meu amor
tens de deixar respirar...

Eu preciso respirar...
Bem preciso respirar!...
Não consegues enxergar?!
É preciso enxertar?"

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Caminhos proibidos (foto de Chris Ramos)


Por caminhos sinuosos
Apesar de olhar o mar,
E momentos tortuosos
Que afectam teu bem-estar,

Vou escalando esta montanha
... Sob efeito violeta
E alguma artimanha
D' alguém que toque a sineta.

Somos cabras do rebanho
E bodes de mau pastor
Ávido dos seus bons banhos
Impregnados de rancor.

Por entre essas pedras soltas
Circulam as falsidades
Que fazem orelhas moucas
Às nossas fragilidades.

Mar azul da aparência
Em que espelho te revês?
No céu da clarividência
Ou na cama do marquês?

Somos carne para canhão,
No leito desses doutores
Que, da vil governação,
Não distinguem os pudores.

Nos caminhos proibidos
Por varões irregulares
De madeira, são sortidos
Os pruridos dos teus pares.

Quem, outrora bestial
Por fazer aquele favor,
É jogado ao matagal
Sem clemência, nem pudor.

Eis aqui, no precipício,
Postergado de razão,
Quem cultivou frágil vício
E caiu na tentação.

No momento, duma hora
Em que o Sol não vai nascer
É julgado, sem demora:
Condenado a morrer!"

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Somos "carne para canhão", desde o ventre até à morte (foto de Chris Ramos)




As gotículas de suor que invadem do teu peito
são resquícios do meu amor, eternamente insatisfeito.
Daí que esse recanto, onde partilho as ilusões,
humedeça permanentemente, ávido de tentações.

... Mas da quimera bombardeada com a tragédia das ribeiras
Percorres, com lágrimas de resistência, o trilho das ladeiras.
Corpo transformado em porto de consolo e de abrigo,
quando te chego, quase morto, sem noção daquele perigo.

Com respeito sinto o som do lamento da ribeira.
"Ipiranga do entulho", da montanha à cabouqueira.
Som de pedra chora as mortes, num canto de amargura:
O calhau é pesadelo que nos leva à loucura.

O vermelho é a raiva da tragédia dos cifrões;
"Patos bravos" estão contentes com mais uns euromilhões.
E voltamos à dimensão desta nossa pequenez:
As galinhas vão ao grão, quando falta a lucidez.

Vão ao grão! Vão ao grão! Em benesses de má sorte.
Somos carne para canhão, desde o ventre até à morte.


Mais fotos da autora in:

domingo, 19 de fevereiro de 2012

O verde bem resiste... (Fotografia de Chris Ramos)



De entre o castanho "normal",
que sufoca as nossas vidas,
inócuas situações que oscilam
pela esfera do pensamento único,
e tentam impor-nos um estilo de pensar,
de agir e de viver,
surge,
afinal,
qual esperança verdejante,
um leão de espírito,
de acção
e de verdade,
ainda que queimado nas bordas,
pela acção da "moral social",
determinado a inverter aquele caminho
que nos condena a um cruel definhar.

Podias estar mais queimado,
mais escondido de ti próprio,
mas as folhas não prendem os pássaros.

E o verde bem resiste.
Mesmo que tudo seja triste
e a incompreensão seja a Rainha,
na verdade o teu ser persiste
e é tão bom saber que existe
a esperança que em ti se aninha.

(Pedro/Pássaro Distante)

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Se Não Te Mostro, a.k.a., Vôos de Pássaro

Se não te mostro a minha música
Serei um peixe fora de água,
Uma assinatura sem rúbrica,
Ou a lágrima de mágoa.

Se não te mostro os meus textos
Sou um escritor sem leitor,
Sem alma, chama ou vigor,
Ou uma roda sem eixos.

Se não te mostro a minha vida
Sou uma ave perdida
Ou, quiçá, flor sem cheiro.

Se não te mostro como sou
Não saberei por onde vou,
Não sou metade, nem... inteiro.

(Pássaro Distante, 2002)

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Externato Lisbonense, o colégio centenário do Funchal, adquire algumas obras do grande poeta (e antigo aluno) Herberto Helder

Duas obras de Herberto Helder ("As Magias" e "Os Passos em Volta", edições da Assírio & Alvim) chegaram esta semana ao Externato Lisbonense, o Colégio privado centenário mais antigo do Funchal.

 As obras estão disponíveis para consulta de qualquer interessado, na Biblioteca Herberto Helder, bastando para o efeito contactar a Secretaria da Escola (291 22 05 53).

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Os Búzios (Jorge Fernando), Fado interpretado pela lindíssima Ana Moura

Vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=Sa8Ucd96KWo

I


Havia a solidão da pressa num olhar triste
Como s' os seus olhos fossem as portas do pranto
Sinal da cruz que persiste, os dedos contra o quebranto
E os búzios que a velha lançava sob um velho manto.

Ref.

À espreita está um grande amor, mas guarda segredo
Vazio tens o teu coração na ponta do medo
Vê como os búzios caíram, virados p'ra norte
Pois eu vou mexer no destino, vou mudar-te a sorte.

II

Havia um desespero intenso na sua voz
O quarto cheirava a incenso mais uns quantos pós
A velha agitava o lenço, dobrou, deu-lhe dois nós
E o seu pau de santo falou, usando-lhe a voz.