terça-feira, 29 de novembro de 2011

NAS SOMBRAS DOS OLHOS

(Letra: Pássaro Distante; Música: Pedro Marques de Sousa)

I
Cobrem os olhos desejos magoados
Por contos guardados em lábios judeus.
Fitam os olhos tormentos passados,
Ímpetos negados pelos olhos teus.

Calas nos olhos sonhos adiados,
Abraços vedados, escombros de dor.
Gestos perdidos, enredos frustrados,
Lamentos tapados no teu coberto.~

Ref.

Caiem dos olhos queixumes salgados,
Desorientados por olhos ateus.
Gestos feridos e contrariados
Nos versos em branco das sombras de Deus.

II

Guardas nos olhos sons embaciados
De tempos passados em noites de amor:
Loucos gemidos, prazeres trocados,
Corpos saciados em leitos de flor.

Mostras, nos olhos, teu ar deplorado
Absorto, enjeitado, sem sombra de luz.
Cedes carinhos, automatizado,
Seguindo trajetos em torno da cruz.


Ref.

Caiem dos olhos queixumes salgados,
Desorientados por olhos ateus.
Gestos feridos e contrariados
Nos versos em branco das sombras de Deus.

III

Escondes os olhos nessas mãos marcadas,
Quiçá deformadas por tanto labor...
E, orgulhosas, passam madrugadas
Decerto acordadas, guardando rancor?

Fitas meus olhos, em jeito inocente,
Sorriso ausente, ensurdecedor...
Abres teu peito: teu corpo carente
Querendo, somente, gemidos e dor.



Ref.

Caiem dos olhos queixumes salgados,
Desorientados por olhos ateus.
Gestos feridos e contrariados
Nos versos em branco das sombras de Deus.

domingo, 27 de novembro de 2011

SONHADO MUNDO ILESO... NA CORRENTEZA DE UM MAR DE PECADOS (VI)

Nas noites em que a tristeza desampara
Teu peito, chorando o que o olhar não vê
Tens no lenço que aconchega tua cara
A certeza de ser "louco por você"!

Neste canto de justiça ao teu encanto,
Porque não sei descrever doutra maneira,
Largo as lágrimas derretidas no meu pranto
Espalhando-as pela tarde soalheir:

Entre a brisa que absorve o nosso cais
Misturei-as no meio da maresia
E agoratêm nomes imortais:
Todas juntas são saudade e poesia

sábado, 26 de novembro de 2011

SONHADO MUNDO ILESO... NA CORRENTEZA DE UM MAR DE PECADOS (V)

Nos círculos que dançaste no meu peito,
Cujos rastros sinto aqui tão bem cravados,
Frutificam as raízes do teu leito
Destes entes nunca antes bem amados.

Eu que andava já tão cheio de vazio
E via no horizonte uma barreira
Jão não sinto esse limite, nem o frio
Que acompanha estas "Noites da Madeira".

Estou sozinho, mas tão bem acompanhado
Pela linha que me liga ao coração
Do teu verso tão gentil e delicado:
Poesia que guiou a minha mão.

SONHADO MUNDO ILESO... NA CORRENTEZA DE UM MAR DE PECADOS (IV)

Já sentados no conversível vermelho,
Estacionados na gare do aeroporto
Este corpo, inesperadamente velho,
Não queria abandonar o teu conforto.

Despedimo-nos com um demorado abraço
E os rostos estampados de desgosto.
É que a vida não modifica o traço
Do destino, nem mesmo com "fogo posto".

Mesmo assim ofereci-te uma viagem
Para a terra do meu sul, do sol, do sal
Esperando por assomo de coragem
Qu' ilumine minha Ilha e Portugal.

Já nas escadas conduzido à aeronave,
Qual soldado que não olha para trás
Quando chega perto de hostil entrave
Eu sentia-te a dizer: "Amor... não vás!"

Foi então que olhei para tás, mas não te vi...
Era tempo de te encontrar no futuro...
Eu, que um dia muito amei tal qual sofri,
Saberia procurar-te pelo escuro...

SONHADO MUNDO ILESO... NA CORRENTEZA DE UM MAR DE PECADOS (III)

As saudades de ser muito bem tratado
E amado por uma doce Raínha
De olhar meigo e muito apaixonado:
Nessa noite senti mesmo que eras minha!

Numa mesa que saudou a nossa dança,
Cujas velas eram torres de marfim,
Abraçei-te, dediquei-te minha herança:
Meu piano, meu amor, meu bandolim.

Nossos olhos confirmavam as faíscas
Lançadas pelos espíritos, à vez,
E por palavras, mais ou menos ariscas,
Transmitidas no melhor do português.

Dei um beijo apaixonado nos teus lábios
Tão suave que exaltou a excitação,
Oscilando a própria árvore dos sábios
Cujo tronco é coberto de razão.

Os teus gestos demorados e carentes
Colocaram do avesso o coração
Nossos dedos, sempre muito persistentes,
Eram cúmplices d' infinita sensação.

Noite... sem saber dar-se por finda,
Aclamando parceiros de almofada,
Sussurrando, pela brisa: "Como és linda!
De causar inveja à própria madrugada."

Da janela da tua casa de praia
As estrelas brilham tão intensamente,
S' iluminam quando subo a tua saia...
E te sinto muito húmida e quente.

Nossos corpos, absorvidos no prazer
E teimosos por cada repetição,
Destemidos na vontade de viver,
De qu' as almas prestam subtil devoção.

A alvorada espreitou no canto do olho,
Quando os membros já se davam por vencidos
E os sonhos prolongavam ao sobrolho
Os momentos tão intensos já vividos.

Acordei-te com o cheiro do café
Espalhado na "Casa das Maresias",
Saboroso, mesmo mesmo que até
Exclamaste que mais nada pretendias.

Muitos dias neste amor contagiante
Partilhando caminhadas pela bruma
Um sorriso permanente no semblante...
Quem é que de ser feliz não se acostuma?

No regresso para o País mais a leste
Descansámos, por minutos, no jardim.
Tu disseste-me: «afinal sempre "Vieste"
E trouxeste todo o teu amor para mim.»

domingo, 20 de novembro de 2011

SONHADO MUNDO ILESO, NA CORRENTEZA DE UM MAR DE PECADOS...

I

Libertei-me de todos os compromissos
Que nos fazem sentir aves tão banais
E preenchem nossas faces sem sorrisos
Condenando os desejos especiais.

Transmiti-te meis créditos amorosos
Que guardava na gaveta do meu peito,
Mesmo aqueles, outrora tão saborosos,
Mas desenquadrados de qualquer conceito.

Tudo o que de bom tivesse era vazio,
(Pouco havia que pudesse cativar)
Como se um permanente calafrio
Me deixasse sem sorrir e sem sonhar.

Vida fora, vida dura, vida gasta,
Sem sentido, aos olhos da sã loucura.
Cada gesto tinha o peso da vergasta:
Chibatadas de sociedade impura.

Isolei-me das vergastas confundindo
Os meus sonhos com rombos de lucides
E em cada dor de alma fui sorrindo,
Aguardando por começar outra vez.

Quando o nada dominava o empírico
Veio a luz no fim do fundo da caverna.
Vi o mar derrotado pelo teu espírito:
Tua forma de combate muito terna.

A mão esquerda enlaçada ma direita:
Juntam forças numa mesma direccção.
Nessa estrada, ora larga ora estreita,
Não há nada perturbando a comunhão.

A distância fez a cama da grandeza
A tristeza molhou o vale dos lençóis.
Ma na rua em que vi tua natureza
Brilham estrelas aquecidas por dois sóis.

No meu corpo não havia já ferida
Que teimasse por não estar tão bem sarada,
Impedindo Santana de Parnaíba
De tornar-se na penúltima morada.

II

Fui contigo, de cabelo desvairado,
Ondulado, tal e qual os meus humores.
O semblante muito menos carregado
E na mala tuas predilectas flores.

O teu corpo, antes distante paisagem,
Brilhando em longínqua avenida,
Transportou, numa titânica coragem,
Um oásis eleito pra mar de vida.

Voei livre em redor do teu jardim.
Meu gorjeio respirava só poesia,
O teu bálsamo era uma flor de jasmim
Encharcando minhas penas de alegria.

E sem qualquer mordaça ou algum peso,
Condição "sine qua non" para ser feliz,
Mergulhámos no sonhado mundo ileso
E criámos nossa imortal raíz...

Ser feliz... e nada mais era preciso...
Nossas "guerras" tinham outro paladar:
Preenchidas no amor e no sorriso,
Nas doçuras e carinhos sem cessar.

Ser feliz... e nada mais faz diferença...
O presente com a distância na lembrança:
Quando o sonho reflectia uma crença
E a tristeza camuflava a esperança.

Ser feliz... é tudo o que podemos ser
Se olharmos para o que é essencial...
É que basta de uma vida a sofrer
E um dia atrás do outro, sempre igual.

(continua)